O Projeto Escola Estrada Afora visita a Barra
Sr. Sebastião com as alunas Josiane e Tainara e Eduardo Soares |
Numa conversa com o Sr. Sebastião- um senhor muito simpático, de 83 anos, que nasceu e criou-se na Barra, mas numa parte do bairro pertencente à Maria da Fé. Ele afirmou: “toda a vida eu trabalhei na roça” e ainda completou: “eu estive um ano na escola, que era aqui mesmo na Barra. A professora adivinha quem era? A Elisa do Dalmo.” As crianças tinham medo dos castigos que os professores davam e por isso respeitavam-nos.
Lembrou-se dos bons tempos de sua infância: “Joguei muito futebol. Jogávamos contra as cidades de Maria da Fé e Virgínia”. E ainda continuou: “Brincávamos demais de pião, às vezes, nós jogávamos o pião no chão e pegávamos ele no ‘reio’”. Também empinavam pipa, de vez em quando ;e jogavam arco, perna de pau, malha...
Casarão da Barra |
Ainda contou-nos da origem do nome da Barra: devido à junção do rio que vem dos Pintos Negreiros e Mogiano, chamado de Rio dos Criminosos, com o do Rio Claro que se encontra na Barra. E Seu Sebastião ainda ressaltou: “O encontro dos rios é uma parte muito perigosa, porque não tinha ponte e, quando dava tempestade, o rio enchia muito. Muita gente morreu nesse rio, inclusive seu primo, José Mendes Pereira. Ele rodou dezessete cachoeiras, e foi encontrado lá no Rio Manso”.
Falou-nos das músicas e rodas de viola que aconteciam lá. E dos casos de assombração:
- E assombração o senhor já viu?- perguntamos a ele.
-Medo a gente tinha, mas assombração eu nunca vi.- afirmou.
-Medo a gente tinha, mas assombração eu nunca vi.- afirmou.
Josiane de Oliveira e Tainara Nunes
Carlos Pereira de Lima – O Carlão do Boi
Assista o vídeo!
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Carlão na Exposição Agropecuária de Delfim Moreira |
Desde os sete anos de idade, Carlão já trabalhava com arado. Certa vez, quando ainda menino, seu pai comprou-lhe seis bois-carreiro e mandou Carlão trabalhar em Maria da Fé. Ele trabalhou 18 anos no arado de terra.
Uma vez, Carlão fez uma proposta para comprar um bezerro de sua madrinha, só que esse garrote não deu nada no serviço, então ele teve a ideia de aproveitar o bicho para outras funções e começou a adestrá-lo. Mais tarde adestrou um cavalo, um cachorro e um boi.
Carlão estimava muito o primeiro boi que ele adestrou. Ele conta que vendeu esse boi por 3 vezes, e por 3 vezes o boi voltou para casa dele, na Barra. Inclusive, numa das vezes,o bicho voltou de Passa-Quatro/MG. E ele alega terminantemente que “não tem parte com o coisa ruim”, que ele é homem temente a Deus.
Carlão na Exposição Agropecuária de Delfim Moreira |
Carlão, que acredita ter alguma proteção divina, para qualquer boi bravo e aparta qualquer briga de vacas jogando um chapéu no chão, por isso tornou-se uma figura lendária na Barra.
Saber viver
O ser humano apega-se à terra. Cria raízes e produz. Faz sua casa. Constitui família. Tem suas aventuras, descobertas e realizações e tem seu lazer.
É assim também na Serra da Mantiqueira.
Quem nunca entrou pelas estradas de terra da Serra deve pensar nisso. Atravessar a mata, colear e serpear os córregos, subir as montanhas, respeitar o cheiro secular da natureza e ouvir a beleza dos contos da gente que ali se estabeleceu.
Foi assim ontem na Serra da Mantiqueira.
Num ônibus escolar rotineiro, com bancos duros, sem molas, aos solavancos dos buracos da estrada estreita de terra, o motorista dirigia heroicamente. O ônibus carregava a alegria da juventude de três dezenas de estudantes e era empurrado pelo idealismo de um projeto escolar criado para documentar a história do lugar.
Ouvimos histórias dos antigos moradores. Ninguém mais vai ouvir essas histórias faladas com a pureza de quem viveu o ar da Serra. As palavras saíram sorrindo com os olhos brilhando e com a sinceridade de que só existe uma só verdade. Os carros de bois estavam vivos e as rodas deles guinchavam, as manadas cruzavam a mata, as caminhadas nas matas eram assustadoras cercadas dos coisas-ruins que lá remoíam seu temor assustador, e, se fosse de noite melhor não ir lá. Mas ninguém tinha medo da mata. Tinham medo das histórias que são tão vivas quanto é viva a natureza. Tudo era perto. Assim uns cinco, dez, vinte quilômetros:o irmão que caiu rio abaixo, a venda do gado, a festa, a noiva suspirada. O médico nem havia.
Por décadas a escola da Serra ensinou música, teatro. A Igreja foi pedaço a pedaço construída, acolheu a doação do órgão e o coro cantava a fé.
O sanfoneiro puxou o fole e mostrou como se desperta a alegria e o achego numa festa do interior.
O teatro na escola da Serra mostrou, à noite, a alma da Serra, o assombroso compromisso do lugar em fazer arte bem feita. Foram aplaudidos de pé por gente porque tinha os valores da vida, desses que entendem o que é a arte do palco e a arte de viver bem por muitos séculos cuidando da natureza. Todos compartilhavam, tanto os que aplaudiam quanto os aplaudidos.
A volta do ônibus era uma volta ao presente de cada um bem longe dos privilégios de quem vive na Serra.
A Serra continua lá com seu povo como se fosse um encanto. Deixou no coração e na mente uma semente de saber viver que só nasce na Serra.
Capela Santo Antônio |
Cachoeira do ALFREDO! |
Imagens: Camila Sapucci.
Privilegiados também somos nós que podemos tomar parte nesse projeto tão envolvente, não é, Eduardo?
ResponderExcluirEstou me deliciando com seus depoimentos!
O Sr. Sebastião lembra e conta os fatos com fluência, e fala à vontade das memórias da Barra, e enriquece-nos com a sua história de vida. O Sr. Sebastião sabe tudo. E quando a oportunidade aparecer tem muito mais para ouvir dele. A Barra tem mais segredos. Parabéns a Josiane de Oliveira e a Tainara Nunes que são fieis anotadoras da entrevista e bem a descreveram aqui. Muitos anos ao Sr. Sebastião.
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